quarta-feira

José, o homem invisível

José, o homem invisível

    Olá, meu nome é José. Eu sou invisível. A luz transpassa minha pele, de forma que sou sempre translúcido.
    Ando por aí e ninguém consegue me ver. Vez ou outra percebem a minha presença de relance, mas não pela visão, mas por algum tipo estranho de consciência sensorial alternativa.
    Você pode pensar: "deve ser muito bom ser invisível". Eu digo: "é e não é". Quando se pode ser visto, eu suponho que você deve ter momentos em que realmente quereria estar invisível, mas a sensação de ser observado cria boas experiências, também. Pois o mesmo se aplica a nós, invisíveis, mas a com devida inversão que a transparência acarreta: estamos acostumados com a invisibilidade, porém queríamos muito ser visíveis de vez em quando.
    Os outros não conseguem saber o que sinto, o que quero, o que necessito. Não conseguem saber se estou doente ou sadio, alegre ou deprimido, sozinho ou acompanhado. Um fato sobre a companhia é que quando cercado por gente visível, me sinto inferior, pois têm algo que eu não tenho, mas quando com meus colegas invisíveis, é uma sensação diferente: podemos fazer o que quisermos que ninguém verá o que estamos fazendo. Ficamos conversando, falando sobre a vida, sobre as dificuldades de ser quem somos e afogando nossas mágoas em drogas, para ver se aquecemos o espírito.
    Ser invisível é um fardo muito grande para nossas existências, porém temos várias vantagens nessa condição. Podemos, por exemplo, viver sem precisar se preocupar com as aparências, sem se preocupar com o que pensarão de nós, sem pressa pois nunca se está atrasado. Podemos fazer chacota de tudo e todos e ninguém vai perceber, podemos afanar coisa ou outra que as pessoas vão se enfurecer mas não nos acharão. Somos como duendes perdidos na cidade grande.
    Mas a maior dificuldade está mesmo em se encontrar. No fundo, no fundo, eu existo. Meus pensamentos existem, todos emaranhados num conjunto de línhas tão transparentes como o ar. Posso não contar com as vantagens de poder ter a luz refletida sobre mim, mas posso refletir sobre mim mesmo. Já vi várias pessoas não-transparentes que refletem luz, mas não refletem vida. Mas mesmo assim adoraria estar visível um dia.
    Se eu pudesse ter cores, ter uma sombra ao meu lado, seria um sonho realizado, mesmo que se fosse por alguns momentos. Poderia aproveitar pequenos detalhes como me observar, desenhar minhas feições, demonstrar sentimentos, olhar nos olhos de alguém e ser retribuído. Quando esse momento acabasse, teria certeza que seria o melhor da minha vida.
    Aceito, porém, que é um sonho perdido, pois mesmo se você quisesse trocar comigo nesse momento, não conseguiria. E mesmo que quisesse, eu não deixaria, pois sei que quem deseja ser invisível precisa se encontrar, mas precisam entender que o que importa é o equilíbrio entre lucidez e transparência que buscamos em nós mesmos.

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